Por Maria Victória Mangeon Knorr
Advogada – OAB/RS 97.862
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Tem-se falado muito sobre o pedido de recuperação judicial ajuizado pela Universidade Cândido Mendes. A pretensão de reestruturar as dívidas que acumulam milhões foi protocolada pela Associação Sociedade Brasileira de Instrução (ASBI), mantenedora da Universidade Cândido Mendes, e pelo Instituto Cândido Mendes (ICAM) – ambas associações sem fins lucrativos. Nos termos da legislação vigente, as associações sem fins lucrativos não integram o rol taxativo dos destinatários legais previstos no artigo 1.º da Lei 11.101/2005.
Na presente análise, empregaremos a nomenclatura “Cândido Mandes” tanto para a ASBI quanto para o ICAM – considerando tratar-se de grupo econômico.
Quando da análise do pedido, o juízo entendeu pelo deferimento do processamento da recuperação judicial ajuizada pela Cândido Mendes. A decisão foi fundamentada, especialmente, sob o aspecto de que, muito embora a estrutura em si não seja a de sociedade empresária, não haveria expressa vedação legal para o ingresso de uma associação sem fins lucrativos ao instituto da recuperação judicial (lembrando que, nos termos da lei, não podem ingressar os agentes mencionados em seu artigo 2.º e incisos). Na decisão, também foi abordado o fundamento de que, mesmo que a Cândido Mendes se apresente como uma associação civil, na realidade ela desenvolve atividade econômica, circulando riquezas e gerando empregos – abarcando, portanto, as finalidades da Lei 11.101/2005.
Verifica-se, a partir dessa decisão, que ocorreu uma flexibilização e maximização da interpretação dos destinatários legais que poderiam se socorrer aos institutos da recuperação judicial e da falência. O juízo, em suas razões de decidir, avaliou outras variáveis que vão além do que está escrito na “letra fria” da lei.
O que impressiona é que, possivelmente, em função da pandemia do coronavírus, diversas associações sem fins lucrativos se socorrerão ao instituto como meio de salvaguardar as suas atividades institucionais, bem como os empregos proporcionados a partir da atividade econômica desempenhada.
A perspectiva é a de que encontremos com mais regularidade debates nessa esfera.
Há quem não concorde com o deferimento do processamento da recuperação judicial da Cândido Mendes, especialmente o Ministério Público. O parquet entende pela impossibilidade das associações sem fins lucrativos valerem-se do mecanismo legal. Dentre alguns dos motivos elencados, encontra-se o argumento de que as associações gozam de benesses que as sociedades empresárias não possuem, como a imunidade tributária. Isto é, mesmo que a universidade aufira lucro e seja uma agente econômica, a sua estrutura de constituição como associação impediria o acesso ao instituto.
No Rio Grande do Sul, há o emblemático caso envolvendo a Associação Educacional Luterana do Brasil (AELBRA), mantenedora de diversas instituições de ensino vinculadas à Ulbra, hoje em recuperação judicial. A AELBRA, por sua vez, não ingressou com o pedido de recuperação judicial como associação sem fins lucrativos. Como estratégia para evitar a discussão hoje enfrentada pela Cândido Mendes, às vésperas do ajuizamento, a mantenedora transformou-se em sociedade anônima (S.A.), configurando-se, portanto, como sociedade empresária.
Como se vê, o ingresso de associações sem fins lucrativos é, sem dúvida, uma questão jurídica controversa. Encontraremos pela frente inúmeros debates sobre as diferentes perspectivas do tema, cuja resolução poderá surgir a partir de dois caminhos: seja pela alteração legislativa ou quando houver precedente em relação ao assunto, tal como ocorreu no caso do produtor rural.